sábado, 29 de setembro de 2007

Entrevista com Antonio Fagundes...

O que chamou mais atenção no convite para interpretar o Juvenal de Duas Caras?
Sou um ator que gosta de mostrar as camadas mais populares na teledramaturgia. Abordar o cotidiano de um líder de uma comunidade carente mexe demais comigo. Acho que tem um fator social aí. E é diferente dos meus outros trabalhos na televisão. O Aguinaldo Silva, autor da história, está levantando uma questão social que acho muito válida e confio demais no sucesso desse trabalho. E a equipe teve dificuldades para escalar o elenco. Depois de tanto tempo de descanso, não poderia negar esse convite.

O que faz com que você deposite tanta confiança assim?

Essa coisa de trabalhar os dois lados do ser humano é algo muito perspicaz. Todo mundo, no fundo, tem duas caras. Não existe essa diferença entre quem é bom ou ruim. As pessoas têm essas duas naturezas dentro de si. E a proposta é mostrar exatamente essa característica. Isso, de certa forma, humaniza aqueles personagens que estão na novela. O público sabe que é ficção, mas identifica traços de realidade na história.

Você prefere trabalhar com um tipo de teledramaturgia que se aproxima da realidade?

Tem muita gente que curte fantasiar, fazer trabalhos que retratam épocas diferentes, mas gosto desse pé no concreto. A realidade dá um certo charme para a trama. É lógico que não é nossa intenção criar personagens ali que sejam totalmente coniventes com a realidade, porque não temos a função de documentar. Toda novela tem de ter essas pitadas de fantasia, estamos falando de um veículo que é um pouco fábrica de sonhos. Mas aproximar o cotidiano das histórias ao ritmo do telespectador é sempre gostoso. O Juvenal passa por várias situações em que você consegue enxergar atitudes de um humano ali.

Onde você buscou as referências para compor esse personagem?

Em qualquer trabalho eu tento fugir dessa coisa de laboratório. Não é interessante para mim visitar uma comunidade carente e encontrar um líder para, dele, extrair características da composição do Juvenal, por exemplo. Para falar a verdade, a Portelinha vai ser a primeira favela em que eu entro, e mesmo assim é fictícia. Não tenho a obrigação de retratar exatamente o que acontece em um local que não é o que o meu personagem vive. Posso buscar referências exteriores e me confundir, porque de repente os outros líderes não agem da mesma forma que o Juvenal. Aí a gente deixa a realidade de lado e, de forma coerente, segue as indicações que o autor dá.

Você não gosta de se comunicar com os autores enquanto grava uma novela. Existe algum motivo específico para trabalhar assim?

Imagino que deva ser um saco para quem escreve ter de passar informações pessoais para cada nome do elenco. Eu deixo a porta aberta para quem quiser se comunicar comigo, mas não consigo tomar essa iniciativa. Acho que um bom texto é aquele que chega sem ruídos, não cabe dúvidas para o ator. E o Aguinaldo consegue fazer isso. Depois de 41 anos de estrada a gente percebe que cada um tem a sua função ali. E a do autor é se preocupar com os números de audiência e com as 45 páginas diárias de capítulos que ele tem de bater. A minha é compreender e passar aquilo para a cena.

Depois de quatro décadas de carreira, ainda existe motivação para fazer novela ou você prefere seriados como o Carga Pesada?

A gente não pode parar de trabalhar. Tanto pela questão financeira quanto para não enferrujar. A minha relação com o Carga Pesada vai muito além do fato de ser um seriado, uma produção com um ritmo mais calmo e descansado para o ator. O que me encanta é retratar o trabalhador brasileiro. O Juvenal tem muito isso, mas ele fica em desvantagem porque os carreteiros Pedro e Bino têm a mobilidade. Eles viajam o Brasil e desempenham essa função com mais profundidade.

Mas vocês vão voltar com uma nova temporada depois que a novela acabar...

A decisão está nas mãos da Globo. Nos últimos 30 anos, a maior vontade do Stênio Garcia e a minha também foi fazer o Carga Pesada. Isso não mudou e não deve mudar nunca. Mas a gente está condicionado à vontade da emissora. Viável é, porque as gravações da novela terminam entre abril e maio. Daria até para descansar quase dois meses e começar a gravar em julho o seriado. Todo ano falam que é a última vez que o programa é exibido, mas sempre em dezembro mudam de idéia. Eu vou ficar esperando ansioso para saber o que vai acontecer. Mas, por minha vontade, ele fica na grade.

Por que esse seriado é tão importante para você?

É um carinho que fica difícil colocar em palavras. O mais encantador é mostrar diversas facetas do nosso país, e isso não é fácil de fazer em qualquer programa. A gente ultrapassa o mundo perfeito das novelas e mostra um outro trabalho. Acho que ele tem esse realismo charmoso que eu tanto gosto. Existe uma mensagem ali que fica sempre muito bem explicada. E foi uma forma dessa nova geração me enxergar de um jeito diferente.

Que jeito é esse?

Até eu voltar a fazer o Pedro, vim de uma enxurrada de papéis de homens ricos, da classe A. É engraçado porque todo mundo me perguntava como era trabalhar esse lado requintado dos personagens e, de repente, voltar ao caminhoneiro que eu tinha interpretado décadas antes. A televisão criou uma imagem do Antônio Fagundes galã. Essa é uma forma de mostrar que posso interpretar outros estilos.

Incomoda essa imagem de galã?

Não pelo fato de ser galã. Mas essa exposição excessiva em novelas acaba aumentando o assédio da imprensa. E eu, por incrível que pareça, sou um homem muito tímido. Essa discrição que as pessoas falam que eu tenho, de não ficar aparecendo em público toda hora, é fruto desse lado introvertido. Para falar a verdade, me incomoda dar entrevistas. Mas não por medo que distorçam ou por ter raiva de jornalistas. É só porque para mim é desconfortável. Sei lidar bem com as câmaras, mas só quando estou atuando.

Incomodo estético

Para interpretar o líder comunitário Juvenal, Antônio Fagundes precisou fazer duas pequenas alterações em seu visual. A primeira delas, e mais desconfortável, foi o bigode, que, segundo o ator, passa a idéia de autoritarismo que o personagem precisa carregar. E nem a mudança de fase vai ajudar o ator nessa tarefa. Com o passar do tempo, a idéia é deixar o visual ainda mais carregado. "Ele vai crescer de acordo com a novela. Ainda não me acostumei, esses pêlos me dão um certo nervosismo. Mas a gente tem de encarar", diz.
A outra parte chata da caracterização fica no braço direito. O ator agora anda com a tatuagem de uma sereia, sugerida por ele mesmo para o papel. Como o personagem pedia esse tipo de visual, Antônio achou melhor escolher uma figura que fosse comum em homens que, atualmente, tenham a sua idade. "Hoje em dia ninguém tatua uma sereia no braço. Se encontrar um homem na rua que tenha uma tatuagem assim, pode ter certeza de foi feita há uns 30 anos", brinca, afirmando que não sai de casa com ela descoberta. "Tenho vergonha", assume.

Déjà vu

Apesar de estarem em núcleos completamente diferentes, Antônio Fagundes espera encontrar o amigo e colega de elenco Stênio Garcia em Duas Caras. Mas, pelo que se sabe da sinopse da história, os dois personagens não devem se cruzar em cena alguma. "Trabalhamos juntos há mais de 30 anos. Somos verdadeiros parceiros e funcionamos muito bem assim. Acho que essa pode ser mais uma oportunidade para um encontro em cena", opina. Além de Stênio, outro grande amigo pessoal de Fagundes participa da novela: Lázaro Ramos. Mas, com este, será a primeira vez que o ator trabalha. "O personagem disputa com o meu o comando da Portelinha", explica.
Fonte: Terra.com.br
Foto: Luiza Dantas/Carta Z Notícias/TV Press

Nenhum comentário: